As Impressões de Clarice

Mudei de "condição profissional" e lentamente começo a perceber que posso levar a vida mais lentamente.
Ainda não sei as implicações disso, mais desconfio que não serão negativas não.
Ok, sei que tenho mil coisas para resolver, que estavam aguardando tempo livre, mas a diferença é que agora posso fazer de acordo com minha vontade. Ou quase. Mas ainda vou escrever sobre isso.
Livrar-se do corre-corre diário, das pressões cotidianas é um dos sonhos de consumo da maioria das pessoas. Ilusão achar que isso é possível, de forma completa. Mas buscar aliviar as tensões deve ser uma meta. Desde que não traga... ansiedade!
Com esse tempinho extra na agenda, entre outras coisas, dá para se dedicar mais a boas leituras.
Pesquisando uns livros da Clarice Lispector para comprar descobri que ela morreu um dia antes de completar 57 anos (seu aniversário é 10 de dezembro). Este ano eu cheguei nesse número e percebi como a querida escritora se foi tão cedo. Ainda bem que ela teve tempo de nos presentear com suas impressões sobre a vida, que ficarão eternizadas em nossos corações e mentes.
Dizem que a arte nos salva. A arte de observar e narrar de Clarice foi uma tábua em que ela se agarrou em momentos difíceis de sua vida e nos servem também de reflexão sobre os nossos momentos e nosso próprio existir.
Ter tempo de pensar nisso é um trunfo, mas há de se ter cuidado, pois estamos desacostumados com essa prática, convenhamos.
Nesses momentos contar com gente como Clarice Lispector para ajudar é inestimável.
Essa ucraniana de alma brasileira é uma das principais escritoras de origem judaica do século XX. Não teve vida tranquila, sobretudo depois que se separou do marido diplomata pela necessidade de parar de rodar o mundo e se dedicar aos filhos que precisavam de cuidados especiais.
Se instalou no Leme, que passou a ser o seu lar até o fim da vida (este ano foi inaugurada uma estátua na praia, em frente ao edifício que morava) - cujo término se deveu a um câncer no ovário - em 1977. Lembrando que ela já havia estado bem perto da morte em 1966 quando, ao dormir com o cigarro acesso, provocou um incêndio que a deixou em coma por três dias e quase teve a mão direita amputada.
O seu dom de captar e passar emoções, através de suas observações do cotidiano, criando histórias de pessoas comuns, foi reforçado pela experiência de suas próprias crises existenciais.
Assim, aos 57 anos anos - que a Clarice não chegou a completar - me vejo selecionando algumas de suas frases, retiradas de seus escritos. 
Divido algumas, que acabei de ler agora, com os amigos leitores deste cantinho. 
Nada demais (o que faço, não as impressões de Clarice). Quem sabe algumas dessas observações nos servirão de aconchego em dias reflexivos de inverno, enquanto aguardamos a primavera...
E, desta forma, lá se foi o mês de julho de 2016. Diferente de julho de 1977 (o último dela) ou de tantos outros. Sempre tem alguma coisa especial que acontece. É só observar os pequenos milagres do cotidiano. Como ela fazia. Aguardemos agosto. Não há de ser de desgosto.

As impressões de Clarice:
"Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero uma verdade inventada."
"Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro."
"Eu sou uma eterna apaixonada por palavras, música e pessoas inteiras. Não me importa seu sobrenome, onde você nasceu, quanto carrega no bolso. Pessoas vazias são chatas e me dão sono."
"Toda mulher leva um sorriso no rosto e mil segredos no coração."
"Às vezes eu tenho vontade ser menos intensa, só pra poder entender como o resto do mundo aguenta essas coisas que me devoram permanentemente e de uma forma tão absurda..."
"Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida."
"Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato...
Ou toca, ou não toca."
"Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome."

Comentários

  1. Oi Marcos! Que bom você escrever sobre Clarice Lispector! Ela é a grande escritora brasileira que ainda não teve toda a grandiosidade de sua obra devidamente valorizada. Emoção à flor da pele, essa é Clarice! Parabéns! Obrigada! Beijos!

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